Património
Bairros Ferroviários
O Caminho de Ferro, com a construção de quilómetros e quilómetros de vias, foi o grande empregador da segunda metade do século XIX, dando origem a uma nova classe profissional, o ferroviário. A concentração de trabalhadores foi mais forte nas localidades charneira da rede ferroviária, que acolheram os camponeses e artesãos deslocados das suas terras de origem e agora destinados à construção de linhas de caminho de ferro, à condução de comboios e à manutenção de material.
À semelhança do que se fazia no estrangeiro, mormente em Inglaterra e França, foram construídas casas para os trabalhadores ferroviários, decalcando-se alguns modelos.
No Entroncamento, nenhum dos primeiros núcleos habitacionais construídos se destinou a operários, embora a designação de bairros operários seja utilizada por Cottinelli Telmo e Luís da Cunha, quando escreveram, sobre o Bairro Camões, na revista Arquitectura, o artigo “Bairros Operários e construções escolares”.
São seis as zonas habitacionais para funcionários dos caminhos de ferro, no Entroncamento. Com carácter de bairro existem três: o Bairro do Boneco, a Vila Verde e o Bairro Camões.
Os primeiros conjuntos de casas para funcionários da Companhia surgiram junto à estação, na Rua Latino Coelho, de um e de outro lado da entrada para as gares. Documentalmente, ainda não foi possível datar estes edifícios, chegando até nós informações escritas que já foram veiculadas por via oral, pelo que se avançará, neste campo, apenas por hipóteses. Os ferroviários mais idosos do Entroncamento acham que eles foram implantados nos primeiros tempos dos caminhos de ferro. Uma hipótese possível é a de 1882, já que foi por essa altura que o construtor italiano Paolo Zozzi começou a construir por conta da Companhia Real dos Caminhos de Ferro. A primeira Escola Camões ficou concluída em 1882.
Estas construções dividem-se em dois núcleos: um a Sul da entrada para a estação, designado por Ala Sul, com 18 habitações; o segundo, a Norte da entrada para a estação, designado por Ala Norte, com 25 habitações. A Ala Sul destinava-se ao pessoal do movimento e é constituída por casas de rés-do-chão, com 4 compartimentos, construídas em banda, com quintais à frente e nas traseiras, existindo uma única de primeiro andar. A Ala Norte destinava-se ao pessoal afecto à tracção, incluindo os escritórios. São todas casas de dois pisos. As habitações têm 4 compartimentos, dois nos rés-do-chão e dois no primeiro andar, com um pequeno quintal. Durante anos, até meados da década de 30 do século XX, estas casas estiveram separadas da R. Latino Coelho por um alto muro de quase três metros de altura, que depois foi demolido para dar lugar a gradeamentos de formigão armado.
Depois das casas da R. Latino Coelho, segundo testemunhos orais, à falta de outras referências, foi construído o Bairro dos Reformados, na estrada para Torres Novas, vindo a ser conhecido pela designação popular de Bairro do Boneco (consta numa planta da Estação, datada de 1920). Com a configuração de um pátio rectangular, à semelhança das vilas operárias, conta, no total, de 18 habitações, distribuídas como se segue: no lado direito casas de um só piso e no lado esquerdo casas de 2 pisos, sendo cada piso para inquilinos diferentes. Janelas e portas têm molduras de tijolo, as chaminés são em tijolo de burro. Este Bairro fica entre a Vila Verde e o (segundo) Armazém de Víveres.
Em 1919, foi inaugurada a primeira fase da Vila Verde, a poente, na estrada que seguia para Torres Novas, em frente aos aquartelamentos militares: 20 moradias, 10 geminadas formando 5 grupos, e 10 isoladas, a maior parte (16) com quatro compartimentos, uma com cinco, outra com seis e as duas restantes com sete. Em 1930 foram acrescentados 3 grupos de 2 casas e 6 casas isoladas, assim como um dormitório para funcionários solteiros da Via e Obras, perfazendo um total de 32 habitações.
São casas simples, com o seu alpendre à entrada, gradeamentos rústicos, um pequeno jardim à frente e quintal nas traseiras, que, geralmente, se destinava a horta. Este bairro destinava-se a factores, chefes de estação e pessoal de escritórios.
A seguir à Vila Verde, já num dos extremos do Entroncamento, foi construído o Bairro Camões, em 1926, este sim, com todas as características de bairro. Fechado sobre si mesmo, com ruas internas, isolado da povoação pela situação geográfica periférica, não acessível devido ao controlo exercido na entrada, pode dizer-se que tinha todas as condições dos modernos condomínios fechados.
São trinta e duas as habitações, quatro isoladas e catorze grupos de duas casas, dezoito delas com quatro compartimentos, dez com cinco e quatro com seis. Arquitectonicamente, o Bairro Camões e a Vila Verde fogem à regra de uniformidade de módulos habitacionais repetidos. Aqui, vemos agrupamentos de casas diferentes, as com características comuns, acentuadas pelos beirados, alpendres, gradeamentos e espaços para jardim. As últimas habitações para ferroviários surgiram já no início dos anos 70. Longe iam os tempos da casinha com quintal e dos padrões rústicos. Integrados na tipologia urbana, em tudo semelhante a outros prédios daquele local, foram construídos na rua D. Afonso Henriques sete blocos de apartamentos, cada um de quatro pisos e duas habitações por piso, somando um total de 56 fogos, uns com quatro assoalhadas, outros com três. Os tempos haviam mudado, a filosofia da empresa também. De todo este património, o mais relevante é o constituído pelos Bairros do Boneco, Vila Verde e Camões. Fazem parte da história ferroviária, sendo que o Bairro Camões está assinado por dois arquitectos de vulto – Cottinelli Telmo e Luís da Cunha.
Adaptado de “O Foguete”, nº 5, Texto de Manuela Poitout